Após queda do PIB no 2º trimestre, crises política e hídrica ameaçam retomada

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Autor/Veículo: Folha de S.Paulo
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O resultado do PIB abaixo das estimativas do governo e do mercado financeiro acendeu o alerta sobre diversos riscos para a recuperação da economia em 2021. Entre eles, as crises hídrica, provocada por problemas climáticos, e político-institucional, alimentada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A economia brasileira encolheu 0,1% no segundo trimestre de 2021 em relação ao trimestre anterior, conforme dados do PIB (Produto Interno Bruto) divulgados nesta quarta-feira (1º) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Analistas consultados pela agência Bloomberg projetavam crescimento de 0,2%.

O resultado do trimestre já garante um crescimento em torno de 5% para o PIB de 2021 devido ao efeito estatístico, resultado influenciado pela base de comparação ruim de 2020. Para 2022, no entanto, analistas já esperam um crescimento abaixo de 2%, de volta ao ritmo fraco do final do governo Michel Temer e início da gestão Jair Bolsonaro.

Para o terceiro trimestre, as estimativas são de crescimento próximo de 0,5%. A partir do final de 2021, a economia voltaria a desacelerar.

Esses números reforçam a percepção dos economistas de que a economia continuará a se recuperar, mas em um ritmo insuficiente para baixar significativamente a taxa de desocupação, dentro daquilo que tem sido chamado de um PIB sem emprego.

Além disso, o Brasil está saindo da crise sanitária provocada pela pandemia com juros e inflação em alta, risco de descontrole fiscal e incertezas de natureza política e econômica que travam o investimento. Há quem fale em estagflação (baixo crescimento com inflação em alta).

Os dados do IBGE também mostram uma recuperação desigual. A indústria e a agropecuária tiveram perdas no trimestre, mas continuam acima do patamar pré-crise. Os serviços cresceram nesses três meses, mas aquém do esperado e ainda estão abaixo do nível de atividade anterior à pandemia.

O país sofre ainda com o problema global de falta de insumos para a produção, que ajudou a derrubar a manufatura e os investimentos no segundo trimestre, problema que só deve ser resolvido em 2022.

A pesquisadora Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), avalia que os impactos negativos da crise hídrica e da tensão política já ficaram evidentes na economia no segundo trimestre.

De um lado, lembra Silvia, a seca prolongada aumentou os custos para empresas com a energia mais cara, elevou preços de tarifas de luz para consumidores e prejudicou a produção agropecuária.

Em conjunto, os fatores turbinam a inflação e ameaçam a retomada do consumo das famílias, um dos motores do crescimento econômico, enquanto o desemprego segue alto.

Se não bastasse isso, a turbulência política gera estresse adicional no mercado financeiro, o que eleva a taxa de câmbio e pressiona ainda mais a inflação.

“Na indústria, por exemplo, vários segmentos estão sofrendo com os custos elevados, além da falta de suprimentos. Já o consumidor diminui o consumo com o mercado de trabalho em dificuldades. E ainda há o impacto da inflação mais alta e o risco de falta de energia”, pontua Silvia.

Após a divulgação do PIB do segundo trimestre, o FGV Ibre reduziu a projeção de avanço da economia em 2021 de 5,2% para 4,9%. A estimativa para 2022 recuou de 1,6% para 1,5%.

A coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, afirma que, apesar dos programas de auxílio do governo, do aumento do crédito a pessoas físicas e da melhora no mercado de trabalho, a massa salarial real vem caindo, afetada negativamente pelo aumento da inflação.

“A inflação está aumentando no mundo todo. A gente adicionalmente aqui no Brasil está tendo esse problema da crise hídrica. Tudo isso influencia no consumo das famílias para não ter voltado ao nível pré-pandemia”, diz Rebeca.

Em nota, o Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) afirma que os números são o resultado do atraso da vacinação e da piora da pandemia, em um ambiente de alto desemprego, aceleração inflacionária e persistente desarranjo das cadeias produtivas, que continua impondo gargalos na obtenção de insumos. “Os ruídos na esfera política, ao introjetar incertezas na economia, também cobraram seu preço.”

Marcelo Fonseca, economista-chefe do Opportunity, afirma que os dados do trimestre passado refletem principalmente a piora nos números relacionados à pandemia e que a reabertura das atividades e o aumento nos indicadores de confiança apontam para resultados positivos no trimestre atual.

“O número do segundo trimestre não significa uma interrupção dessa tendência de curto prazo de retomada da economia”, afirma. “A questão é o médio prazo, o final deste ano e, principalmente, 2022. Aí a gente identifica riscos múltiplos que colocam maior ceticismo em relação à capacidade da economia de manter um ritmo de expansão robusto.”

Para ele, a alta da inflação coloca um viés de desaceleração no consumo das famílias nos próximos meses; e três fatores devem levar a uma acomodação no ritmo de crescimento dos investimentos: aumento dos juros, incerteza fiscal e crise energética.

Luka Barbosa, economista do Itaú Unibanco, afirma que a variação negativa de 0,1% no segundo trimestre traz um “viés de baixa” para a projeção do banco, de alta do PIB de 5,7% neste ano.

Segundo ele, o setor de serviços tende a continuar no terreno positivo até o final do ano, já que reúne atividades que ainda estão em “patamares deprimidos”. Serviços que dependem da circulação de consumidores, como é o caso de alojamento e alimentação, fazem parte dessa lista.

Ele diz que a economia deve desacelerar especialmente em 2022. O Itaú estima avanço de 1,5% para o PIB do próximo ano.

Segundo Barbosa, pelo menos quatro fatores explicam a possível perda de gás. Um deles é o menor impulso de serviços após a reação estimada para 2021. Juros mais altos, desempenho inferior da economia global e política fiscal contracionista no país, mesmo com provável incremento nos desembolsos na área social, completam a lista. “A desaceleração de verdade vai ocorrer no ano que vem”, ressalta Barbosa.

Sobre a crise hídrica, os dados do IBGE mostram que o impacto na inflação contribuiu para travar o consumo das famílias e que empresas do setor já amargam resultados piores do que no início do ano. Na agropecuária, os efeitos devem aparecer de forma mais evidente ao longo do ano, embora já estejam afetando os resultados da lavoura.

“Na comparação interanual, [a agropecuária] está crescendo. Se não fossem os efeitos climáticos, poderia crescer mais. Já temos esse efeito sim”, afirma a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE.

Em relação ao mesmo período do ano passado, o PIB cresceu 12,4%, resultado influenciado pela base de comparação, já que o período de abril a junho de 2020 foi o fundo do poço para a atividade econômica durante a pandemia. Nos últimos 12 meses, houve alta de 1,8%. Com esse resultado, a economia brasileira avançou 6,4% no primeiro semestre.

Segundo o IBGE, o PIB continua no patamar do período pré-pandemia e ainda está 3,2% abaixo do ponto mais alto da atividade econômica na série histórica, alcançado no primeiro trimestre de 2014.

O desempenho da economia no trimestre vem do resultado negativo da agropecuária (-2,8%) e da indústria (-0,2%). Por outro lado, os serviços avançaram 0,7% em relação ao primeiro trimestre.

A escassez de insumos é apontada como um dos fatores que explicam o recuo da indústria brasileira. Em razão da escassez de chips, montadoras chegaram a interromper linhas de produção no país. O setor automotivo espera que as paradas causadas por falta de insumos, em especial semicondutores, prossigam até o ano que vem.

Na comparação com o primeiro trimestre, houve queda de 7,8% na fabricação de carros de passeio, veículos comerciais leves, ônibus e caminhões. As vendas acumulam alta de 3,4% entre os trimestres, mas com tendência de queda a partir de maio devido à falta de produtos para pronta entrega.

Em entrevista nesta quarta (1º), Antonio Filosa, presidente do grupo Stellantis (que reúne marcas como Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën), disse que a empresa busca alternativas para a escassez, mas que cada solução de emergência gera custos.

A montadora é a atual líder de mercado, com três produtos da marca Fiat ocupando as primeiras posições. Contudo há filas de espera que podem chegar a seis meses.

"Nacionalizamos motores para, por exemplo, nos proteger da volatilidade do dólar. Mas no caso dos semicondutores o problema é mais complexo, a produção é concentrada na Ásia", afirmou o executivo.

Filosa ainda acredita que o volume de vendas possa chegar a 2,35 milhões de unidades neste ano, mas a falta de previsibilidade sobre a produção pode afetar o resultado.

"Estamos trabalhando em um ambiente de pouca previsibilidade para abastecer todos os canais no menor tempo possível", disse o executivo. "Depende do que vai acontecer daqui a quatro semanas."

Apesar dos resultados, Filosa mantém o otimismo e vê sinais de melhora no horizonte. Mas evita comentar sobre o cenário político. "Há questões presentes, mas sou italiano, não falo de matérias políticas brasileiras."

O QUE AFETA A RETOMADA, SEGUNDO ANALISTAS
Crise hídrica e energética
O aumento da conta de luz e seu impacto sobre a inflação reduziu de compra das famílias e ajudou a deixar o consumo estagnado. Um possível racionamento levaria à redução da atividade econômica.

Crise institucional
As ameaças de desrespeito à Constituição e contra outros Poderes por parte do presidente Jair Bolsonaro são vistas pelo mercado como um risco para a recuperação da economia porque aumentam o risco institucional e afetam negativamente os preços dos ativos, principalmente dólar e juros. O centário conturbado adia decisões de investimento.

Crise sanitária
Para analistas, a retomada depende de melhora nos números sobre mortes e contaminações por Covid, que permitam manter a reabertura da economia.

Escassez de insumos industriais
A escassez de insumos é apontada como um dos fatores que explicam o recuo da indústria brasileira no segundo trimestre.

Queda na renda e desemprego
Motor da economia brasileira, o consumo das famílias ficou estagnado no segundo trimestre. Para os próximos meses, são considerados riscos o fim do auxílio emergencial, a alta dos juros, da inflação e o ainda elevado nível de desemprego.

Rápida redução de estímulos no exterior
A Genial Investimentos vê o risco de o banco central americano (Fed) promover o processo de redução de estímulos econômicos de forma rápida, o que tornaria o cenário mais desafiador para os países emergentes.