Reforma pesa mais para quem gasta muito com mão de obra

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Valor Econômico
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Prestadores de serviço que estão no lucro presumido terão o maior aumento de alíquota de PIS e Cofins caso a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) seja aprovada, segundo advogados tributaristas. A incidência de 3,65% de hoje passará a 12% como para indústria e comércio, mas, diferentemente deles, o setor não consegue aproveitar muitos créditos, já que seu principal gasto é com mão de obra e esta não foi contemplada pela proposta.

A mudança pode ser mais sentida por aqueles que dependem do consumidor pessoa física e terão mais dificuldade em fazer o repasse no preço, como restaurantes, salões de cabeleireiro, escolas, serviços médicos e profissionais liberais – que tiveram a atividade muito afetada pelo isolamento social.

Também estão no lucro presumido os setores de telecomunicações, serviços hospitalares como pronto-socorro e clínica médica, companhias áreas, construção civil, telemarketing, hotelaria, jornais e desenvolvedores de software. Integrantes do Simples (faturamento até R$ 4,8 milhões) não são afetados diretamente, mas poderão comprar insumos de vendedores sujeitos à alíquota maior e não aproveitar créditos.

Quem vai sentir mais são os prestadores de serviços que estão numa cadeia menor e não se beneficiam dos créditos de tributos ao longo dela, segundo Alberto Medeiros, sócio do escritório Stocche Forbes e professor no IDP. Diferente do regime atual de PIS e Cofins em que alguns contribuintes pagam 3,65%, geralmente por não terem direito a créditos, e outros 9,25% a depender do faturamento e da possibilidade de descontar o tributo pago na cadeia, na CBS a alíquota será de 12% para todos e vai excluir o ICMS e o ISS da base, como o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 2017 que deveria ser feito na cobrança do PIS e da Cofins.

O direito a créditos é ampliado na CBS, incluindo gastos com propaganda e advogados. Mas elas não têm efeito para o setor de serviços, cujos gastos são concentrados na mão de obra. “O contribuinte não tem crédito suficiente que justifique o contraste de 3,65% para 12%”, afirma o advogado Luiz Gustavo Bichara, do escritório Bichara Advogados. Segundo o tributarista, há muitos setores grandes no regime cumulativo, não só empresa no Simples. “Com a crise econômica não é todo mundo que vai conseguir empurrar um aumento no preço de serviços. É uma premissa teórica perfeita, mas que no mundo real não se confirma.”

“A alíquota de 12% traz um aumento de carga tributária para todo mundo”, afirma Aldo de Paula Junior, sócio da área tributária do Cescon Barrieu e professor da FGV Direito SP. Hoje o setor de serviços é menos tributado do que indústria e comércio. Com a tentativa do governo de ter regimes iguais, quem pagava menos acaba tendo um aumento de carga, segundo o advogado.

Empresas que vendem para outros contribuintes devem ter impacto neutro por causa dos créditos. Mas quando se considera a operação feita com consumidor final não existe esse repasse mesmo com o aumento de preços, segundo o professor. “O consumidor, em geral, terá o impacto desse aumento da carga tributária nos serviços.”

Os escritórios de advocacia que atendem pessoas físicas vão sentir o impacto. Hoje, grande parte está sujeita a 3,65%. Se forem contratados por empresas que pagam CBS, elas poderão usar como crédito os 12% do tributo – o que não é possível no regime de creditamento hoje já que o serviço de advocacia não é considerado insumo. Já se contratados por pessoa física, não.

“O setor de serviços no Brasil não é homogêneo. Não é todo mundo que tem a mesma carga tributária”, afirma Aldo de Paula Junior. O de telecomunicações, por exemplo, também está sujeito à alíquota de 3,65% e vai passar a 12%. “Os créditos são pequenos nesse setor perto da receita e nunca vão compensar a diferença de 3,65% para 12%”, diz o professor.

Serviços com uso intenso de mão de obra como a área de tecnologia também podem sentir a alíquota. Segundo Edison Fernandes, sócio do escritório FF Advogados, o mercado imobiliário também pode ser afetado. “Os fornecedores tendem a aumentar o preço e a incorporadora vende para a pessoa física, que não toma crédito”, diz.

De acordo com Fernandes, o repasse da CBS nos preços às pessoas físicas pode levar a uma pressão inflacionária. “Essa brincadeira de passar pra frente vai estourar na pessoa física. Cabeleireiro, arquiteto, advogado de pessoa física, vai entrar no preço”, afirma.

Fora da discussão da alíquota há o aumento de responsabilidade no caso de plataformas de venda online como Amazon, Magazine Luiza e similares, que vendem ao consumidor produtos de terceiros. Elas passariam a ser responsáveis pela CBS se o vendedor não emitir nota fiscal, uma responsabilidade que não tem hoje e pode encarecer a operação.

“A boa notícia é que é uma mudança de cultura tributária brasileira”, afirma Fernandes. “Agora você tem um imposto por fora, o que é transparente e neutro do ponto de vista do preço. Não preciso fazer contas malucas para embutir o tributo no preço”, afirma. O tributarista acredita que o ambiente fiscal das empresas vai ficar mais fácil mas se preocupa com a alíquota final.

“Inicialmente achei 12% razoável. Mas se pensarmos que é o primeiro passo para chegar ao IBS [Imposto sobre Bens e Serviços] depois, imagina a alíquota final”, afirma, referindo-se ao imposto que pode reunir, além do PIS e da Cofins, o IPI federal, o ICMS estadual e o ISS estadual. O tributarista estima que será mais próxima de 30% do que 25%. “A calibragem (em uma reforma tributária) sempre é pra mais. Já vimos isso quando veio o regime não cumulativo, nos anos 2000.”