Argentina proíbe Shell de reajustar combustíveis

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Em mais um capítulo da guerra entre o governo argentino e a Shell, a Secretaria de Comércio Interior, comandada pelo polêmico Guillermo Moreno, ordenou a aplicação da Lei de Abastecimento Interno, vigente desde 1974 (terceiro governo de Juan Domingo Perón), para exigir que a companhia petrolífera anule reajustes de 2% a 3,6%, anunciados esta semana, no preço da gasolina e do diesel. A medida foi publicada ontem no Boletim Oficial (o diário oficial argentino), junto com outra resolução de Moreno que exigiu que o grupo Techint, um dos maiores produtores mundiais de tubos de aço, derrube um aumento dos preços de alguns produtos.


A ofensiva da Casa Rosada provocou um clima de mal-estar entre os empresários. Além das resoluções de Moreno, o ministro do Planejamento, Julio De Vido, um dos homens mais poderosos do gabinete da presidente Cristina Kirchner, atacou publicamente o presidente da Shell, José Aranguren, acusado por ele de atuar com “claras intenções políticas”. O ministro argentino chegou a pedir à população que abasteça seus automóveis em postos de gasolina da concorrente Repsol-YPF.


— Pedimos aos consumidores que se abasteçam na (Repsol) YPF — disse o ministro, em clara interferência do governo Kirchner na economia local.


Aumento de TV a cabo do grupo Clarín pode ser vetado


De Vido lembrou que não é a primeira vez que a Shell faz “essas coisas” e que o governo está “atuando com firmeza para frear esse tipo de iniciativa”:


— Mais do que o gerente de uma companhia estrangeira, ele (Aranguren) parece um dirigente político opositor.


Segundo informações extraoficiais, a equipe de Moreno também aprovará uma resolução para impedir um aumento de 16% na tarifa da TV a cabo da Cablevision, empresa do grupo Clarín, também considerado inimigo pelo governo Kirchner. Segundo um alto executivo de uma importante empresa argentina, que pediu para não ser identificado, “tudo isso faz parte da estratégia política da Casa Rosada, num ano eleitoral (as presidenciais serão em outubro)”.


— Essas medidas não fazem qualquer sentido, elas só podem ser entendidas como ações políticas do governo contra empresas que eles consideram adversárias — disse o empresário.


O conflito entre o Executivo e a Shell nasceu em 2005, no governo do ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007). Na época, a companhia elevara o preço de seus produtos e recebera, como resposta oficial, a convocatória a um boicote nacional liderado pessoalmente por Kirchner. Em discurso no palácio de governo, o ex-presidente pediu aos argentinos que não comprassem “nem uma lata de óleo” da Shell.


Nos últimos anos, a empresa e seu presidente foram alvo de quase 60 denúncias na Justiça apresentadas por autoridades do governo. Paralelamente, Aranguren também recorreu aos tribunais para solicitar a intervenção da Justiça a favor da empresa, quando, por exemplo, a secretaria de Moreno ordenou a anulação de um outro reajuste de preços, no ano passado.


Em setembro de 2010, o presidente da Shell questionou o silêncio dos empresários locais diante de “claras ações da Casa Rosada contra o setor privado”.


— Nos últimos dias, talvez com certo atraso, percebemos, como dizia o pastor alemão Martin Niejmoller, que estão batendo na nossa porta — disse.


Naquele momento, importantes empresas do país estavam mergulhadas em conflitos com o governo e com sindicatos aliados à Casa Rosada. O governo anunciara o cancelamento da concessão da Fibertel, fornecedora de internet do grupo Clarín, e a Siderar, fabricante de tubos de aço do grupo Techint, sofrera bloqueios organizados pelo sindicato dos caminhoneiros.

O Globo