Produtores e indústrias do agro testam novos combustíveis que poluem menos o meio ambiente

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Globo Rural
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A autossuficiência energética e de transportes é uma ambição almejada há alguns anos pelo suinocultor Jan Haasjes. Imigrante holandês, há mais de 45 anos no Brasil, Haasjes instalou o primeiro biodigestor em sua propriedade em 2003, em Castro (PR).

Hoje, tem três, com capacidade de armazenar até 6 mil metros cúbicos de biogás na fazenda – grande parte usada para produzir energia elétrica e aquecimento nas casas e granjas. O excedente vira biometano para uso em um trator, duas empilhadeiras e uma caminhonete adaptada para gás natural veicular (GNV).

Dos resíduos de 1,2 mil matrizes suínas, produção de grãos, cereais e substratos para cultivo de cogumelo, Haasjes consegue produzir de 1 mil a 2 mil metros cúbicos ao dia, a depender da matéria-prima utilizada. Como o biometano é produzido a partir do biogás, que tem em excesso, o custo é mínimo: R$ 0,50 por metro cúbico, enquanto o litro do diesel custa R$ 2,85.


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“Hoje, o que produzimos de biometano corresponde a 5% do biogás que consumimos, mas eu gostaria que fossem 50%”, diz Haasjes. “Faltam máquinas agrícolas movidas a gás no mercado brasileiro com custos viáveis, mas estamos evoluindo. O que precisávamos é de mais incentivos em equipamentos a biometano, 100% renováveis, a custos baixos, com menos impostos”, sugere.

A busca por uma logística mais limpa também aparece do lado de fora da porteira. Em junho, a PepsiCo, gigante do ramo alimentício, anunciou a compra de 18 caminhões movidos a gás natural. “Temos uma política global de substituição de veículos e essa decisão foi tomada pela necessidade de avançar com uma frota sustentável mais rápido.


A aquisição desses veículos atinge o investimento de 2020 e 2021”, explica o diretor de operações no Brasil da companhia, Eduardo Sacchi. A estratégia global de sustentabilidade da empresa tem como meta a redução de 20% nas emissões de gases até 2030, tomando como base 2015. A logística, de acordo com o executivo, representa algo como 8% das emissões da companhia.

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A operação brasileira é a sexta maior da PepsiCo no mundo. A expectativa é que toda a frota de caminhões seja movida a gás em dez anos. “A compra dos caminhões é uma iniciativa importante e desmitifica a ideia de que a sustentabilidade aumenta o custo das empresas. Está até nos ajudando a diminuir os custos. Mas o foco é a sustentabilidade”, diz Sacchi.

A PepsiCo também tem feito testes com veículos elétricos em centros urbanos. Fabricante do caminhão a gás comprado pela PepsiCo, a Scania está otimista com o mercado. Espera chegar ao final de 2020 com pelo menos cem unidades vendidas. Até meados de setembro, o número estava em 43.

O veículo é um projeto novo, com motores e tanques específicos para esse tipo de combustível, e pode rodar com biometano. Testes feitos pela própria fabricante apontam redução das emissões de poluentes entre 15% e 90% na comparação com o motor a combustível fóssil. “Os combustíveis alternativos no Brasil requerem subsídio. Porém, com o gás natural, já nas primeiras verificações que fizemos, vimos que a conta fecha mesmo sem subsídio”, explica o diretor comercial da Scania no Brasil, Silvio Munhoz.

O caminhão foi apresentado comercialmente ao mercado brasileiro em 2019. E, apesar de ele ser mais caro que o modelo a diesel, a demanda é considerada satisfatória. “Não vem das empresas de transporte, em sua maioria, mas dos embarcadores de carga, que têm de reduzir emissões das suas cadeias logísticas. E os transportadores perceberam que o transporte verde tem mais valor”, diz ele.

Capacidade de fornecer caminhão a GNV o Brasil tem. É o que avalia o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no relatório Gás para o desenvolvimento, produzido a partir de estudo feito em 2019. “Decerto, trata-se de tecnologia desenvolvida e madura do ponto de vista técnico”, diz o documento.

Por outro lado, a baixa disponibilidade de rede de abastecimento, além do fato de estar estruturada para veículos leves, é uma das limitações. “É vista como essencial a necessidade de investimentos prévios voltados à ampliação da capacidade de distribuição, com o aumento de número de gasodutos e interiorização do abastecimento para o resto do país”, ressalta o BNDES.

O vice-presidente da Associação Brasileira de Biogás (ABiogás), Gabriel Kropsch, diz que o processo de interiorização é de extrema importância para o desenvolvimento do biogás no uso veicular.

“O biogás para uso combustível tem as mesmas características e é intercambiável com o gás natural de origem fóssil, que está disponível em toda a costa brasileira. No começo, a gente vê assim, mas, conforme o mercado vai avançando, ao longo das principais estradas, obviamente serão instalados postos de abastecimento”, salienta.

Otimista em relação ao aumento do uso de GNV e biometano no transporte, Silvio Munhoz, da Scania, vê a agropecuária com papel fundamental na interiorização desses combustíveis. “O interesse maior do agronegócio virá pelo biometano. Quando você vai para o interior do Brasil, a realidade de distribuição é mais distante”, pontua.

Na unidade de Narandiba (SP) da Cocal Energia Responsável, três maquinários usados em diferentes operações da usina vêm sendo testados com o uso de biocombustíveis. No campo, um trator da New Holland movido 100% a biometano tem empenhado atividades de médio porte. O modelo a biogás da marca reduz as emissões de CO2 em 90%, com desempenho similar ao diesel.

Ainda neste mês, outro modelo (de 230 cavalosvapor) entrará em testes na operação de colheita. Um caminhão da Scania, também movido apenas a biometano, transporta cana do campo à usina. Além deles, uma motobomba, que faz a distribuição da vinhaça que é fertirrigada na lavoura, e que tradicionalmente usa diesel, foi adaptada com uma tecnologia a biometano.

“A ideia é ter, para diferentes operações, soluções para essa substituição do diesel por biometano”, explica o diretor comercial e de novos produtos da Cocal, André Gustavo da Silva, ressaltando que os testes fazem parte de um projeto que visa à destinação mais nobre dos resíduos da usina (a torta de filtro e a vinhaça) antes de voltar ao campo.

A meta é aproveitar os subprodutos para a geração de energia com o intuito de serem autossuficientes no médio e longo prazo. Com uma frota de mais de 800 veículos atuando nas operações da usina, a empresa está investindo no incentivo aos fabricantes para o desenvolvimento de tecnologias que possam substituir o diesel pelo biometano.

Hoje, a produção de biogás no Brasil é de 80 milhões a 90 milhões de metros cúbicos por dia, de acordo com dados da ABiogás. Kropsch avalia que a indústria sucroenergética já tem um potencial gigantesco. E, juntando agroindústria com resíduos urbanos, o país chegaria a 120 milhões de metros cúbicos diários. “Se a gente pudesse aproveitar todo esse potencial, poderia suprir um quarto de toda a demanda de energia do país e substituir mais da metade do consumo de óleo diesel.”

A rota do biogás
O biogás é um biocombustível produzido a partir da decomposição de matéria orgânica por bactérias fermentadoras, por meio de um processo de biodegradação anaeróbia que libera um gás rico em metano (de 40% a 80%), sendo o restante CO2 e pequenas quantidades de hidrogênio e nitrogênio.

Na geração de eletricidade, a energia química do gás é convertida em energia mecânica por meio de um processo controlado de combustão. O biogás também pode ser usado para a cogeração de energia. Durante o processo, há produção de biofertilizante e o biogás também pode ser purificado para a geração de biometano, que é equivalente ao gás natural veicular.