EUA turvam o horizonte para o etanol

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A proposta da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês) de reduzir as metas obrigatórias de uso de biocombustíveis no país pode não apenas limitar ainda mais as exportações brasileiras de etanol - que já alcançaram 5 bilhões de litros, mas hoje não passam de metade disso. Deve significar, também, que os planos brasileiros de ter um grande mercado global para seu etanol não estão mais no horizonte - nem de longo prazo.
 
No curto prazo, já em 2014, o Brasil pode até ficar de fora do mercado americano, caso o uso de biodiesel seja ainda mais incentivado pela agência americana. Por enquanto, a proposta entregue pela EPA indica um mercado de 1,05 bilhão de litros no ano que vem para ser disputado pelo etanol de cana e pelo biodiesel dentro da categoria "biocombustíveis avançados" - já sem contar a cota exclusiva para o biodiesel. Esse volume é três vezes menor que o de 2013 (3,1 bilhões de litros).
 
O problema, explica o diretor da trading de etanol Bioagência, Tarcilo Rodrigues, é que a proposta da EPA pode novamente incluir um subsídio de US$ 1 por galão ao biodiesel americano (feito de soja), o que tornará mais difícil ao etanol de cana do Brasil competir por essa cota.
 
Nesse cenário, a Bioagência prevê que as exportações brasileiras de etanol ao mercado americano em 2014 podem ficar entre 500 milhões e 1,5 bilhão de litros - ante 1,7 bilhão de litros previstos para este ano de 2013. Adicionando-se outros destinos, que somam entre 500 milhões e 600 milhões de litros, o volume total embarcado pelo Brasil no ano que vem tende a variar entre 1 bilhão e 2,1 bilhões de litros.
 
Rodrigues explica que, no melhor dos cenários, os embarques aos Estados Unidos podem alcançar 1,5 bilhão de litros, devido a dois mercados específicos onde o etanol de cana leva vantagem. O primeiro é a Califórnia, que tem metas próprias de mistura (que podem chegar a 85%) conforme a redução de emissões de gases de efeito estufa trazida por cada biocombustível. Já na Flórida, afirma Rodrigues, o etanol brasileiro tem vantagens logísticas na competição com outros biocombustíveis produzidos na região central dos EUA.
 
O especialista em etanol da consultoria FCStone, Tiago Gil, explica que os misturadores de combustíveis nos Estados Unidos até podem misturar mais biocombustível avançado (etanol de cana ou biodiesel) à gasolina do que o mínimo determinado pelo EPA - no entanto, desde que a meta nacional de mistura de biocombustíveis (o que inclui o etanol de milho, por exemplo) não supere 10%. "Isso raramente acontece, pois o etanol de milho e o biodiesel são, com poucas exceções, mais vantajosos ao misturador do que o etanol de cana", explica Gil.
 
A proposta feita pela EPA ficará em consulta pública por 60 dias, contados a partir da última sexta-feira. Especialistas no assunto, como o executivo Joel Velasco, que atualmente é vice-presidente sênior da Amyris e tem anos de experiência no mercado regulatório americano, acredita que a consulta pública não tem potencial para alterar a proposta entregue pelo EPA. No entanto, Velasco avalia que a redução das metas de uso podem gerar contestações jurídicas.
 
Velasco explica que essa contestação deve partir do fato de o EPA estar propondo reduzir a meta por causa da projeção de demanda de gasolina no país - que recuou 1% somente de 2013 para 2014.
 
Os Estados Unidos projetam para 2014 um consumo de gasolina entre 152 bilhões e 160 bilhões de galões (cada um com 3,785 litros). Como na maior parte dos Estados americanos a mistura obrigatória de biocombustível na gasolina é de 10%, o EPA definiu para o próximo ano um uso de 15,21 bilhões de galões (ante o estimado anteriormente de 16,55 bilhões de galões).
 
O anúncio feito em 2007 pelos Estados Unidos de uso crescente de biocombustíveis deflagrou uma onda de investimentos de empresas americanas, como a Archer Daniels Midland (ADM), atualmente a maior produtora de etanol do país, e também no Brasil - estima-se que desde 2005 mais de R$ 80 bilhões tenham sido investidos em usinas no Brasil.
 
Com o encolhimento da economia americana - e mundial - o projeto de um mercado global para o etanol não avançou, Mas o Brasil conseguiu redirecionar sua oferta ao mercado interno, que atualmente consome em torno de 85% do etanol que produz, seja misturado à gasolina, no percentual de 25% (anidro), ou diretamente no motor dos veículos (hidratado).
 
O mercado externo, no entanto, sempre funcionou como um fator de equilíbrio ao doméstico, altamente regulado pelo governo - que controla os preços da gasolina, apesar das oscilações internacionais do barril do petróleo.
 
Mas para o diretor da trading de etanol SCA Trading, Martinho Seiiti Ono, o retrocesso americano é um sinal negativo ao mercado global de etanol, mas não será tão impactante ao Brasil justamente porque o mercado interno indica melhora em 2014. "O reajuste da gasolina deve vir nos próximos meses e há a perspectiva de uma metodologia de reajuste da gasolina ser adotada". Neste ano, já houve melhora, diz ele. O preço médio do hidratado na usina está 1,13% mais alto que a cotação média do produto no ciclo passado. Valor Econômico 21/11/2013