Mais ecológico e autossuficiente, etanol brasileiro carece de incentivos federais

em

Produto genuinamente brasileiro, o etanol já foi modelo internacional, mas hoje amarga uma dura crise. A ausência de políticas públicas que lhe garantam competitividade, somada ao baixo investimento na produção e alterações climáticas colocam o biocombustível da cana-de-açúcar em uma situação de risco. O Brasil, que pretendia ser um grande exportador do combustível ecológico, se viu obrigado a importar a versão americana – mais poluente – no último ano: mais de um milhão de metros cúbicos ingressaram no país, em 2011.

Apesar de ser mais ecológico do que o equivalente fóssil e, considerada, a alternativa mais barata e eficiente de biocombustível disponível no mundo, o consumo interno do etanol está em queda. Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), foram comercializados 10,7 milhões de m³ em 2011, bem abaixo do patamar de 15,1 milhões do ano anterior, o que corresponde a um recuo de quase 30%. O cenário fica ainda pior se for considerada a frota de carros flex vendidos no mesmo período, de cerca de três milhões, contra pouco mais de 300 mil unidades movidas à gasolina.

A resposta para a rejeição do consumidor é simples e tem origem econômica: a disparada nos preços deixa a versão da cana pouco atraente ao bolso do motorista. Em função do rendimento de um litro de etanol corresponder a 70% do litro de gasolina, ele só é rentável ao consumidor se tiver a mesma relação custo-benefício. Ao contrário dos combustíveis fósseis, regulados pelo Governo Federal, o Etanol não recebe nenhum tipo de incentivo fiscal. Para o professor do Departamento de Produção Vegetal da USP, responsável pela área de planejamento e produção de cana-de-açúcar, Edgar Beauclair, essa diferenciação entre os dois produtos demonstra desinteresse político.

“Falta uma política pública clara, transparente em relação ao que se deseja de matriz energética no país. Não sabemos as metas para cinco, dez anos. Não sabemos se existem metas. Isso acarreta uma dificuldade óbvia para atrair investimentos. Fica difícil investir em uma atividade que você não tem garantias de comercialização porque vai competir com outro produto subsidiado. Um produto [gasolina] em que o governo tem interesse em controlar”, declara Beauclair em entrevista à Agência CNT de Notícias.

Baixo investimento

As 406 usinas produtoras de etanol ainda sentem os reflexos da crise internacional de 2008, que reduziu o crédito e elevou os custos da produção, fazendo com que o negócio deixasse de ser rentável. Naquela época, em função da alta do barril de Petróleo, o setor sucroalcooleiro foi demandado e a produção de Etanol chegou a marca de 27 milhões de m³, maior volume desde 2000 – segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento (Mapa). No entanto, a política de preços do combustível instituída para o controle inflacionário tem causado perdas a Petrobras e criou um teto para o Etanol considerado inviável pelos empresários.

De acordo com o presidente da União dos Produtores de Bioenergia (Udop), Celso Torquato Junqueira Franco, o principal entrave hoje é justamente fazer do Etanol uma commodity rentável. Uma primeira medida para salvar o setor, segundo ele, seria a desoneração tributária. “Se há um interesse em manter a política de preços para a gasolina, precisamos chegar ao nível zero de tributação do Etanol. Mas se isso se mantiver por muitos anos, daqui a pouco nem a desoneração vai ser suficiente. Os custos continuam aumentando. Precisamos de uma política de longo prazo”, explica.

Nesse sentido, como tentativa de amenizar as perdas e incentivar a renovação dos canaviais, o Governo Federal elaborou o Plano Estratégico do Setor Sucroalcooleiro, lançado em fevereiro. A meta do projeto é expandir a oferta de cana-de-açúcar destinada à produção do biocombustível para os próximos quatro anos. O plano apoia-se em três medidas: renovação das plantações – que hoje têm idade média acima do ideal, com canas acima do 6º corte –, atendimento à capacidade instalada das usinas (que têm ociosidade de cerca de 20%) e elevação da oferta de matéria-prima para as indústrias.

Sob o olhar dos produtores, entretanto, a medida é tardia e ineficiente. Segundo o presidente da Udop, para recuperar os canaviais seria necessário investir cerca de R$ 50 bilhões, em três anos. Em abril, o Governo Federal disponibilizou R$ 4 bilhões por meio do Programa BNDES de Apoio à Renovação e Implantação de Novos Canaviais (BNDES Prorenova), disponíveis em 2012. Segundo o Banco, até o dia 21 de junho, 25 operações foram aprovadas, com a utilização de pouco mais de R$ 450 milhões.  “Os recursos para a produção não chegam na base. Esse valor corresponde a apenas 1% do investimento necessário para retomar as condições dos canaviais. É muito pouco. Hoje temos cerca de 20% das empresas produtoras com dívidas que ultrapassam seu valor de mercado”, estima Junqueira Franco.

A solução, para especialistas e empresários, seria a adoção de programa similar ao PróAlcool, criado pelo Governo Federal na década de 1970. “Precisamos de uma ação de longo prazo. Temos que olhar o setor sucroalcooleiro dentro da matriz energética. Se hoje temos, aparentemente, um problema de abastecimento de etanol, mais tarde teremos um problema no de gasolina, caso não seja resolvido o problema. É emergencial uma medida”, alerta o empresário.

Falta ainda um estímulo ao consumo do etanol, para o professor Edgar Beauclair, “Com a opinião pública sensibilizada a favor do consumo do biocombustível renovável, o governo vai se sentir pressionado. Precisamos de um movimento social a favor de um combustível com baixo impacto ambiental e que pode ser econômico, basta melhorar as condições de investimento”, finaliza.

Agência CNT de Notícias