Medidas mostram estatal se preparando para o pior

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A decisão da Petrobras de adiar mais uma vez a divulgação de números não auditados e de adotar medidas para não precisar tomar empréstimos ao longo de 2015 inteiro, o que exigiu inclusive “redução no ritmo de investimentos”, foi avaliada por agentes de mercado como um sinal de que a estatal está se preparando para o pior cenário e que um balanço auditado não deve vir tão cedo. “É um corte na carne e não na gordura. Isso significa que talvez a produção não cresça como o esperado, o que vai afetar a geração de caixa daqui a dois ou três anos”, diz uma fonte de mercado. A decisão de adiar inclusive o balanço pro forma, cuja divulgação era esperada para a sexta-feira, foi tomada após reunião do conselho de administração da companhia que durou nove horas. “A empresa ainda não tem como avaliar corretamente as baixas nos ativos, por isso decidiu aguardar, para não dar aos acionistas informações que podem ser alteradas”, explicou uma fonte. “Existem várias maneiras de fazer essa conta. A empresa ainda não tem como distinguir exatamente o que é propina e o que é sobrepreço”, disse uma outra. A medida também foi considerada a mais prudente depois de uma correspondência dos advogados americanos ter alertado, na quinta-feira, sobre os riscos de se divulgar uma baixa que poderia ser ampliada devido ao aprofundamento das investigações. Isso poderia prejudicar a estatal no processo movido contra ela nos Estados Unidos por acionistas minoritários. O adiamento não poderia ter sido antecipado ao mercado porque o assunto precisava ser levado ao conselho. Existem até o momento sete ações coletivas (class actions) na corte distrital sul de Nova York, e a Petrobras disse acreditar que outras serão apresentadas e consolidadas com a ação proposta por inicialmente por Peter Kaltman. Ele e outros investidores alegam que a estatal os enganou ao emitir informação falso e não revelar esquema interno de corrupção e lavagem de dinheiro. A admissão da presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, de que foi informada em maio pela SBM Offshore sobre o pagamento de propinas a funcionários da estatal, fato que ela não comunicou à época, não ajuda a defesa da estatal. A Petrobras afirma que soube do assunto através de reportagem do Valor em fevereiro e que, em maio, o presidente da SBM, Bruno Chabas, ligou para informar que o Ministério Público Holandês tinha confirmado transferências de uma conta do representante comercial (Julio Faerman, da Faercom e Oildrive) para “um empregado ou ex-empregado” de nome não identificado. A estatal alega que não poderia informar ao mercado sobre o assunto para não atrapalhar as investigações, que eram sigilosas. Na reunião do conselho de sexta-feira, também foi definida a empresa de recrutamento que deverá apresentar em 30 dias a lista tríplice de nomes de onde sairá o novo diretor de Governança, Risco e Conformidade. O cargo será criado como resposta às falhas de governança que serão objeto de investigação pela Securities and Exchange Commission (SEC) dos Estados Unidos, que deve gerar processos na esfera civil. Nesse primeiro momento, o Departamento de Justiça (DoJ) daquele país deve apenas acompanhar, para depois definir se abre processo criminal por infração à lei americana anticorrupção no exterior. Mesmo sem informações relevantes como o lucro e Ebtida, a Petrobras divulgou Fato Relevante na sexta-feira trazendo algumas informações financeiras do terceiro trimestre. Tendo encerrado setembro com R$ 70,26 bilhões em caixa e títulos públicos federais, a estatal informou que tomou medidas para aumentar sua liquidez, a fim de evitar necessidade de tomar novos empréstimos ao longo de 2015. Entre as medidas, a companhia citou “antecipação de recebíveis, a redução do ritmo dos investimentos em projetos, a revisão de estratégias de preços de produtos e a redução de custos operacionais em atividades ainda não alcançadas pelos programas estruturantes”. De acordo com a Petrobras, essas ações “asseguram fluxo de caixa livre positivo no próximo ano”. A companhia informou que esses níveis de conforto têm como base preços de petróleo em torno de US$ 70 por barril e taxa de câmbio em torno de R$ 2,60. Na sexta-feira, o petróleo tipo Brent fechou cotado a US$ 61,85 e o dólar a R$ 2,65. Sendo uma empresa com reservas provadas de 15,6 bilhões de barris de petróleo, numa estimativa conservadora, a venda de ativos seria um caminho para levantar caixa, na avaliação de alguns analistas. Mas ao se desfazer de ativos hoje a empresa abriria mão de resultado futuro.

Valor Econômico