Reforma do ICMS fica no papel mais uma vez

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Todo o esforço de negociação feito nos últimos três anos para reformar o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) vai para o fundo da gaveta. O tema não voltará a ser debatido neste ano eleitoral, segundo admitem auxiliares da presidente Dilma Rousseff. “Não tem clima”, avaliou um técnico. “A discussão ficaria contaminada por questões locais.” Assim, repetiu-se a maldição que assolou todos os presidentes da República a partir de Fernando Collor (1990-1992): todos tentaram, sem sucesso, reformar o sistema tributário. E o ponto de principal divergência sempre foi o ICMS. Mas o tema nunca deixou de ser prioridade. “É, portanto, inadiável a implementação de um conjunto de medidas que modernize o sistema tributário, orientado pelo princípio da simplificação e racionalidade”, disse Dilma em seu discurso de posse. Ela elencou a reforma entre as medidas necessárias para dar “longevidade ao atual ciclo de crescimento.” Em janeiro de 2011, o País estava sob o efeito do “pibão” de 7,5% alcançado em 2010. Se a negociação morreu na praia, é uma questão controversa. A avaliação da área econômica é que as conversas no nível técnico avançaram bem. “Temos uma proposta que tem apoio de 24 unidades da Federação”, disse um assessor. Dependendo de quem forem os interlocutores em 2015, esse pode ser um ponto de partida. Assim, caso Dilma seja reeleita, a proposta do governo deverá ser mantida. E a conversa com os Estados não começará necessariamente do zero. Resolução. Diferente dos anteriores, o atual governo conseguiu ao menos dar um primeiro passo rumo à reforma do ICMS. Em 2012, foi aprovada a Resolução 13 do Senado, que reduziu a 4% a alíquota interestadual do ICMS para produtos importados. O objetivo era acabar com a chamada “guerra dos portos”. A lógica era estender a regra para os demais produtos, o que se mostrou mais complicado. Quando as negociações pararam, havia uma maioria a favor da redução das alíquotas interestaduais do ICMS, atualmente em 7% e 12%, para 4% e 7%. Havia pressão para criar uma terceira alíquota para beneficiar as zonas francas. Não estava sacramentado se seria 9% ou 12% e se abrangeria só Manaus ou também outras zonas de processamento de exportação. Ou seja, o resultado não seria uma simplificação, pois o País sairia de um regime de duas alíquotas interestaduais para um regime de três. Isso teria levado o governo a por o pé no freio. Guerra fiscal. Mas, ainda que aquém das ambições iniciais do governo federal, a redução das alíquotas daria um golpe sensível nos Estados que praticam a chamada “guerra fiscal”, ou seja, que dão descontos no ICMS interestadual para atrair empresas. Alíquotas menores significam descontos menores e, portanto, menos atratividade. Isso provocou a reação de dois Estados que, segundo um negociador, são “filosoficamente a favor da guerra fiscal”: Ceará e Goiás. Ambos conseguiram atrair empresas de peso graças aos descontos oferecidos. Santa Catarina também ficou contra a proposta, por causa da tributação de produtos agroindustriais. Há, porém, um entendimento entre especialistas de que a guerra fiscal atingiu o limite. Como todos os Estados passaram a oferecer descontos, eles deixaram de ser um diferencial. Assim, as empresas escolhem onde se instalar com base em outros fatores. Além disso, os descontos do ICMS geraram disputas entre Estados que deixaram de reconhecer incentivos concedidos por outros, batalhas na Justiça e, por isso, insegurança jurídica. O principal ponto de insegurança está no Supremo Tribunal Federal, que em junho de 2011 decidiu pela inconstitucionalidade de 14 programas estaduais de incentivo. No limite, as empresas que se beneficiaram de descontos seriam forçadas a ressarcir os cofres públicos. A ameaça existe para aqueles Estados que foram objeto de decisão, mas toda a prática está em xeque. Existe uma súmula vinculante, ainda não formalizada, que estende a decisão aos demais programas. Embora improvável, a edição da súmula vinculante não é descartada pelo governo federal. Esse seria o único elemento que faria a discussão sobre a reforma do ICMS voltar à pauta este ano. Guerra fiscal entra na pauta do Congresso Depois de discutir por mais de duas décadas como acabar com a guerra fiscal entre Estados, o Congresso Nacional poderá agora analisar como discipliná-la. O Projeto de Lei Complementar 40/2014, protocolado pelo senador Gim Argello (PTB-DF) este mês, formaliza uma proposta elaborada pela Adial Brasil, uma associação que reúne grandes indústrias que se instalaram fora dos grandes centros. Em sua página na internet, a entidade divulga como parceiras pesos pesados como BRF, Metalfrio, Hypermarcas, Cargill, Vulcabrás/Azaléa, Hyundai e Mitsubishi, entre outros. “O que não pode haver é exagero”, prega o diretor-superintendente da Adial, Antonio Carlos Moro. Mas, explica ele, dentro de determinados limites, a prática de conceder incentivos tributários não é uma exclusividade do Brasil. “Nos Estados Unidos há feiras em que os diversos condados oferecem oportunidades de negócios.” Um dos objetivos da entidade é ajudar empresas a mapearem onde elas conseguiriam a melhor combinação de condições como tributação, logística e mão de obra. O grupo argumenta que os descontos do ICMS foram benéficos para os Estados que os concederam, pois dinamizaram as economias locais. Moro pondera que a empresa atraída pelos descontos tributários de fato recolhe pouco ou nenhum imposto, mas toda a cadeia produtiva que se forma em seu entorno contribui normalmente. Empregos. Além disso, a chegada de grandes empresas induziu a formação de mão de obra especializada, como ocorreu, por exemplo, com o empreendimento da Grendene em Sobral, no Ceará. O Senai instalou lá uma unidade que treina trabalhadores em várias especialidades, entre elas couro e calçados, o que é um atrativo para outras empresas do setor. Assim, a proposta da Adial prevê limites para os benefícios. “A ideia básica é: quem pode menos, oferece mais.” Estados que respondem por até 3% do PIB poderiam dar descontos de até 75% no ICMS. De 3,01% a 5% do PIB, 73% de redução. De 5,1% a 10%, incentivo de até 60%. De 10,01% a 15%, desconto de 50%. E os que respondem por mais de 15% do PIB seriam limitados a 30%. O princípio parece simples, mas a redação da proposta é considerada confusa até por técnicos profundamente envolvidos no tema. Isso porque o texto fixa limites para incentivos e outro limite para a soma de incentivos e benefícios. A Adial tem esperança de ver a proposta aprovada até maio. “Mas entendemos que o Congresso tem suas prioridades”, disse Moro. Negociadores acreditam que a possibilidade de essa discussão prosperar este ano é quase zero. No fim de 2013, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), fez um roadshow para discutir a proposta da Adial com outros Estados. O governo de Pernambuco confirmou haver recebido a proposta e disse que ela está em análise.

O Estado de S. Paulo